da árvore não sou o fruto, sou a raiz.

fabiane marques

raiz em relação a ideia de rizoma, rizomática, um modelo de resistência ético-estético-político, defendido por Deleuze e Guattari. O fruto faz ligação a uma linha reta, que representa o sistema, ir de acordo a esta linha é deglutir o fruto, é aceitar o que o sistema oferece. a raiz, por sua vez, representa a insatisfação, a não aceitação do fruto, uma linha de fuga a árvore, ao sistema, não existe um caminho certo a percorrer, talvez o correto seja a intensidade.

fabi.

Partos cotidianos

partos cotidianos
retêm e expulsam
o ser que se é.


todos os dias
um líquido invisível
desce em meio as pernas
retendo o medo
expulsando uma parte de si.


em partos cotidianos
as dores no colo
anunciam a chegada
daquele que não se conhece
o desconhecido
o previsível
o medo.


as dores invadem o corpo
sem pedir licença
cauteloso
como o mar desfazendo-se na areia
violento
como o mar ao colidir com rochas.


eu disse não
mas não se ouviu
não há consentimento ao que não se pertence.


e em partos cotidianos
eu parto
de microviolências.

Joguei palavras ao mar

joguei palavras ao mar
que retornaram em susurros-versos
em meus pés

a palavra em forma viva
ao adentrar a água
torna-se o peixe translúcido

do fundo dos mares escuros, 
o ínfimo sentimento resguardado
desvisto, incompleto

no andular das águas
as palavras ditas e desditas ao mar
vão de encontro com a costa
vão de encontro ao poeta

que pesca as palavras
e as devolve em versos
que molham os meus pés 
de lágrimas.

o assassinato na matriz

Quando eu cheguei, o consumado já havia acontecido: um assassinato em frente a igreja matriz. Ninguém viu, ninguém vê, isso é o que os boatos dizem. Era um homem, mas não sabiam quem era, ninguém nunca o viu, ninguém nunca o vê.

A cidade que era pequena, mas nem tão pequena, mas pequena o suficiente para que fizesse as informações da pressuposta morte circularem rápido. Aos poucos um amontoado de pessoas se concentravam aos pés da casa de Deus, por piedade ao corpo recostado na parede...

- "Que Deus o tenha e guarde" - seguida da curiosidade...

- "Quem era este homem?" - logo os prejulgamentos...

- "Todo imundo, pelo seu semblante parece ser metido a criminoso" e apontar

- "Olhe filho, estude para não acabar como ele".

Era dia de sol, mas chovia, o homem com seu corpo recostado na porta da igreja, se esquivando daquele sereno de chuva, era um mendigo. Entre o sereno e a porta, a sua casa. Morara ali desde que havia chegado naquela cidade, dizem que Deus o fez cego, mas pelo contrário do que dizem, não como penitência, mas como consolo, para não enxergar a mediocridade, o rancor e ego do homem. Desacordado no chão da matriz, ele era o corpo do assassinado, que não havia levado um tiro, ou sido esfaqueado, sua morte foi mais barulhenta, sua barriga se esgoelava, mas ninguém ouvia.



ícaro

Ícaro,

sua pele queima
preta, incendia
uma luz, faísca
do carvão, arde
o fogo, queima
a tua pele
preta.
 
não põe o dedo no fogo Ícaro
queima
e ser queimado
tostado
não pode.


o novo

A manhã despertou de uma maneira estranha, o despertador que substituíra o galo a cantarolar, se espreguiça, e me dá bom dia. As férias acabaram - a minha farda na cabeceira da cama anuncia. Não estaria eu ansioso para tal evento, é que não tenho lembranças muito boas do 8º ano, tinha acabado de me mudar de cidade e não conhecia ninguém, ou seja, nova escola, novas pessoas, um novo clima, um novo sabor de água eu sentiria. Não sei qual reação demostrar ou sentir com o novo, porque o novo é novo, você desconhece, é como um golpe surpresa, há a dor sentida por causa do novo e a surpresa ao conhecer o novo. No entanto, joguei-me na ideia, por que iria temer o novo, se esse novo, brevemente, seria eu? digo, o novo aluno, vizinho, cliente, colega de sala, ninguém me conhecia, e esse era o momento oportuno de ser quem eu quiser, do popular, ao engraçado, tudo valia. Minha infância foi recheada de preconceitos à minha estatura meio desengonçada, o meu jeito meio avoado, tudo o que eu dizia era motivo de piada. Eu queira de fato ser o novo, eu queria melhor dizendo - não ser eu. 

Saindo de casa, hoje decidi não por os fones de ouvido como de costume. Hoje a caminho da escola decidi que seguiria a caminhada ao som do silêncio sendo penetrado pelo vento. Escutaria o balançar das folhas, o som dos carros, do passarinho em cima do ninho. Escutaria o pisar no chão, e caminhando, andando, correndo, com a perna meio bamba, sou envolto ao vento em seu afetuoso abraço, e assim escutaria o hit mais desengonçado e aleatório da grande Natal. No ir e vir, entre linhas e esquinas, me escutaria, e seria de fato quem eu sou.

um chiclete

Depois de um dia corrido, mal bebi água ou comi, estava com tanta sede, mais tanta que estava prestes a ter uma pedra nos rins, a fome que carregava comigo era de tamanha ao ponto de deglutir uma folha seca a imaginar o crocante de uma Rufles. Nunca havia passado por uma situação como essa, sempre tive do bom e o do melhor em casa, nunca me faltou nada, a não ser o último biscoito do pacote, que aliás o meu irmão faz questão de ser e comer. 

Um chiclete. Havia comprado uma cartela de chicletes a um jovem ambulante no ônibus pela manhã. 1 real, comprei para ajudá-lo. Não, ai você se engana, comprei para fazê-lo sair do ônibus mesmo, não o aguentava a ouvir suas ladainhas, mas não conte para ninguém, este será nosso segredo. Ainda no ônibus continuo a me posar de alma bondosa, a própria mártir, a negar-se a Deus até por um chiclete. 

Um idoso. Aproxima-se de mim. Estou na cadeira preferencial, e assim estufo a barriga e finjo que estou grávida. Ah, grávida só se for dos chicletes baratos. E nossa como são ruins, em três mascadas, sua forma elástica some, desfazendo-se. 

Minha barriga anseia por sustentação, a lastimar a dor no estômago que estou a sentir. Ah meu Deus! que estado cheguei! Ao relento sob os ventos impetuosos a perfurar até a alma, era madrugada, e estava com tanta fome, mas tanta, tanta... 

Um chiclete mascado pisoteado no chão.

a idade chega , corre como um rio.


minhas costas ardem, ardem por desprovida saúde, diriam os sádicos: "a idade chega, corre como um rio". minha pele não enruga, meus cabelos continuam de luto, a bailar a singela valsa, dois pra lá, dois pra cá. e um e dois, roda, abraça, beija. minha melanina mantém-me conservada, das incontáveis pedras rebatidas a caminho do mar. é setembro? não. já é outubro? infinda a pensamentos, concretiza o dito: o tempo é rio, é lago raso. comigo carrego uma caneta, um caderno a ser rabiscado e a lembrança da minha doce companheira, que me apresentou os escritos de Clarice. 

sou uma mulher efêmera, cheia de perguntas que por demasiada falta de tempo, não terei como responder. escrevo para lembrar, a um tempo venho tendo alguns relapsos de memória. certo dia esqueci da chave de casa. esqueci em algum lugar qualquer. mas o fato de esquecer chegou a mim os pre-diagnósticos alheios, a minha velhice vinha se presentando. eu deveria ter receio dela? talvez seja isso que queiram, ou o conveniente diante da situação. mas não. não anseio as rugas, os fios brancos, as dores no corpo, anseio as lembranças. o envelhecer tanto faz, mas as minhas recordações não, estas não permito perder. com caneta e caderno em mãos, dedico-me aos momentos a fins da memória, a escrevê-las no papel. oficializá-las em cartório, se preciso, para não esquecer do rastro do rio, das pedras aprendizados, do correr abaixo da chuva e da minha amada, o meu singelo amor, a minha veneração.

a poesia é alimento, é o que nos mantem vivos

escreva!
escreva poesia,
devore as palavras,
com ou sem uma pitada de rima.
tenha fome de poesia,

e a escreva.


     sacie-se com os hiatos e as ligações adverbais. 
          sacie-se com a angústia, amor 
                 e com o marejar das palavras. 


sendo assim, escreva! 
não escreva apenas para si, 
a escrita não é sua,

é de quem a lê, a devora e sacia-se. 


a poesia é alimento, e é o que nos mantém vivos.

criatiVIDAde

vasculhando algumas bugigangas no meu armário, encontrei um álbum de fotos minhas quando pequena mais precisamente 5/6 anos eu tinha, e a recordação veio, era justamente nessa época em que acreditava que o mundo era plano e composto por simples e complexos marionetes em uma apresentação teatral, coordenada por homens gigantes, grandiosos, que elaboravam, observavam e manipulavam as nossas vidas. a criatividade é minha arma para viver, ser feliz. eram incompreensíveis as minhas teorias, apenas eu entendia, e hoje, acham peculiar a forma como eu levo o mundo, como uma experiência vivida, não me prendendo nos barbantes dos grandiosos, enaltecendo então, a minha essência, a forma como sou, como nasci. aprendi no decorrer do caminho, que insistir em algo sem uma evolução a cada tentativa, não se trata de ir atrás dos sonhos, mas de pausar a vida e cometer sempre o mesmo erro.sinto falta de enxergar o mundo à visão do solo, os objetos e as pessoas pareciam tão maiores, o céu aparecia imenso, gigantesco, novo. a chuva, na mente tinha sabor de água de cocô, geladinho, refrescante, em meio verão constante nordestino.a vida era mais saborosa nessa época, pequenina, mais já esperta, papagaio, muda, quieta. porém, muita coisa não mudou, o tempo passou e permaneço com a essência da mesma criança que fui e sou.


ESCUTAR PELO SENTIR

tu estais escutando o que estou a escutar?
são vozes.
dos mais diversos lugares
das mais diversas línguas
louvam a Deus, a Ogum, a Tupã
e louvam também em atitudes.
estão a falar ao mesmo tempo,
mistura talvez incompreendida.
há aqueles que não quererem escutar,
e outros que escutam
e dizem não compreender tais palavras.
no entanto,
não me refiro escutar no sentido literal,
me refiro ao sentir,
escutar pelo sentir.
não se faz necessário ter o domínio de uma língua para entender algo que esta explícito em seus olhos, entre lágrimas e sorrisos. 

sou a semente

sou a semente, 

que brota no chão,

que é alimento 

para um passarinho

que se torna árvore,

que cai junto ao fruto,

que é levada pelos ventos 

para um novo brotar.

o ser e a inconsciência do espelho

um homem
uma mulher
e sua filha de 3 anos


a rotina cumpria-se a rotineira rotina, quando o homem sentado a rua lamentava as suas lamentações, o seu estado, e seu doloroso abandono.


a mulher a seu lado, diante de sua filha, não o lamentava de suas lamentações, mas o julgava, apontava-lhe o dedo, ao fazer coibir as suas lamentações, a sua dor.


o homem calou-se momentaneamente, mas não lhe havia nada, além da lamentação como companheira e hospedeira, e retornou a lamentar-se de si e do seu doloroso abandono.


a criança ao seu lado, diante de sua mãe, assim como sua mãe, não o lamentava de suas lamentações, mas o julgava, apontava-lhe o dedo, ao fazer coibir as suas lamentações, a sua dor. 


o ser e a inconsciência do espelho.

Tenha ca(FÉ)

O café, a tranquilidade que ele me trás. o frio, amigo e companheiro das manhãs de logo cedo. a serenidade em ter as pálpebras repousadas, a sentir o quente do café, percorrer sobre meu corpo, e retirar toda a tensão e fardo que levo nas costas. 

abaixo do céu azul,
acima da terra seca 

abaixo do céu azul
acima da terra seca
lado a lado do verde
da vegetação da caatinga

piso nessa terra seca
a transbordar histórias
e prosas abaixo de um cajueiro

piso nessa terra 
do céu azul e ensolarado
que faz do chão
uma tela
a ser rabiscado

me orgulho de onde vim
piso com firmeza 
na mesma terra pisada 
pelos meus antepassados
tupi.

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